sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Currículo e Sexualidade: um olhar de uma escola estadual de Vitória da Conquista.

Por
Zenilton Gondim Silva[1]

O discurso da sexualidade vem perpassando várias áreas do conhecimento e recentemente tem despertado interesse para o campo educacional. Segundo Bozon (1993), primeiramente é a biologia e a medicina que começam a formular o discurso sobre a sexualidade. Com o aparecimento da psicanálise, no início do século XX, e o sucesso da teoria freudiana, a psicologia começa, também, a formular seu próprio discurso, sendo retomada posteriormente pela sexologia e que será apropriado e finalmente, reelaborado pelas Ciências Sociais. E, por sua extensão, a sexualidade passa a ser analisada sob o olhar do campo educacional.
[2]
A biologia formula o seu discurso sobre a sexualidade, a partir da concepção naturalista. É a natureza que influenciará a sexualidade humana. E o método a ser utilizado, segundo Fox apud Ariès (1982), é igualar a sexualidade humana com o animal através do critério de seleção natural darwiniana, considerando o macho como forte e reprodutor, e a fêmea como a procriadora da espécie.
Com a contribuição de Freud, sobretudo no livro Três ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (2002), a sexualidade passa a ser analisada sob a perspectiva da psicologia. Esta toma a sexualidade pelo caráter normativo, na medida em que começa a estabelecer o que é, ou não, normal no que diz respeito à sexualidade. E assim, estabelece as “aberrações sexuais”, que são “desvios” de comportamentos, se chegando a tratar da homossexualidade como inversão, pelo Complexo de Édipo
[3].
O discurso psicanalítico da sexualidade, segundo Béjin apud Ariès (1982), foi a porta de entrada para a sexualidade se estabelecer como ciência, designada pelo nome de sexologia. Contudo, a sexologia funciona mais como uma medicina sexual, se preocupando com as disfunções sexuais, do que uma ciência da sexualidade.

[1] Aluno graduando em Pedagogia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/Vitória da Conquista.
[2] Segundo Louro (1997), a sexualidade passou a ser apropriada no campo educacional a partir da contribuição dos estudos de gênero, quando analisando os corpos estereotipados de masculinos e femininos na sociedade se começa a analisar a sexualidade na escola, sendo estes estudos difundidos a partir do movimento feminista.
[3] O Complexo de Édipo é estabelecido por Freud (2002), quando na infância a criança do sexo masculino, em vez de adotar como referência o pai, adota a mãe e passa, inconscientemente, a desejar o homem, por ser desejado pela mãe, ocorrendo o inverso com a criança do sexo feminino. E assim, quando os indivíduos passam a desejar o mesmo sexo, é designado por Freud (2002) de invertidos com desvio em relação ao objeto sexual.
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É com a grande contribuição de Foucault que a sexualidade passa a ser discutida e apropriada nas Ciências Sociais, ao compreender que a sexualidade é histórica, e seu discurso é modificado em cada sociedade representando o contexto de cada época.
Para Foucault (1982), o discurso da sexualidade não está isolado em si, mas faz parte de uma mecânica do poder
[1], por ser o corpo e a utilização desse corpo (entre eles, o sexo) a menor unidade de circulação do poder. O poder que circula na sociedade se inicia no próprio corpo e no seu sexo.
No campo educacional a sexualidade tem sido pensada a partir dos estudos de gênero ou estudos curriculares.
Para Auad (2006), a escola é geralmente, um local de reprodução das imagens estereotipadas de meninas e de meninos. Pois, a escola ao educar diferentemente as meninas e meninos, determina o espaço de cada um na sociedade.
A partir do momento em que a discussão da sexualidade adentrou oficialmente no currículo escolar, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – Temas Transversais –, a escola já não pode mais se omitir perante esta abordagem. Para Braga (s.a.), importa compreender agora qual o discurso da sexualidade no currículo.
Compreendendo o currículo como “um modo de organizar uma série de práticas educativas” (SACRISTÁN, 2000; 14) da qual se advém o seu valor, pois “é na prática que todo projeto, toda intenção, se faz realidade de uma forma ou outra; se manifesta, adquire significação e valor” (Grifo meu) (SACRISTÁN, 2000; 201), foi que analisei o Projeto Político Pedagógico (PPP) e, conseqüentemente o currículo do Colégio Estadual Abdias Menezes. Foi elaborado um questionário para ser aplicado ao professor de Educação Física, disciplina que aborda o sexualidade na escola acima citada. Verifiquei, através do PPP e do questionário, que a sexualidade neste Colégio é percebida através da concepção de corpo humano, ao constatar que a mesma se insere na disciplina de Educação Física sob o eixo – Temas Transversais
[2], em que analisando o corpo físico se analisa a sexualidade. Contudo, a sexualidade é vista quase integralmente sob a ótica biológica, e o enfoque é direcionado para discussão da...

[1] a mecância do poder é compreendido por Foucault como uma existência de um poder constituído no tecido social que esta "encontra o nível dos indivíduos, atinge seus corpos, vem se inserir em seus gestos, suas atitudes, seus discursos, sua aprendizagem, sua vida cotidiana" (Foucault,1987: 121)
[2] Embora o Colégio Estadual Abdias Menezes compreenda como transversalidade “temas que vão além dos conteúdos diários e que permitem serem aplicados por qualquer disciplina”(resposta do professor), esta instituição prevê a discussão da sexualidade nos temas transversais, através do PPP, inseridos numa disciplina específica – Educação Física –, demonstrando um distanciamento entre teoria e prática.
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gravidez na adolescência e doenças Sexualmente transmissíveis, perdendo a dimensão histórica, social e cultural da sexualidade, ressalvando as relações entre a sexualidade e a religião, família e mídia. Sendo assim, a mesma ignora o contexto das relações de gênero, na luta da emancipação feminina, da discriminação da mulher, como também ignora a discussão dos arranjos sexuais na sociedade de homossexualidade, bissexualidade, travestis, e suas discriminações, para tratar apenas da heterossexualidade, enquanto uma relação entre um homem e uma mulher estabelecida como norma e modelo a ser seguido por todos os alunos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUAD, Daniela. Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola. São Paulo: Contexto, 2006. 96p.
BÉJIN, André. Crepúsculo dos psicanalistas, manhã dos sexólogos. In: ARIÈS, Philippe, BÉJIN, André (orgs.). Sexualidades Ocidentais. 3ª ed.: Editora brasiliense s.a.: São Paulo, 1982.
BOZON, Michel, LERIDON, Henri. As Construções Sociais da Sexualidade. (s.e.), (s.l.p.), 1993.
BRAGA, Denise da Silva. Currículo Escolar e Demandas Sociais: De que sexo fala o currículo? (s.e.), (s.l.p.), (s.a.).
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 13ª ed. Trad. Maria T. da C. Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1988.
____________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. de Raquel Ramalheto. Petrópolis, Vozes, 1987.
FOX, Robin. As condições da evolução sexual. In: ARIÈS, Philippe, BÉJIN, André (orgs.). Sexualidades Ocidentais. 3ª ed: editora brasiliense s.a: São Paulo, 1982.
FREUD, Sigmund. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Trad. Paulo Dias Corrêa. Rio de Janeiro: Imago Ed.; 2002. 120p.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópoles, Rj: Vozes, 1997, 179p.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Trad. Ernani F. da F. Rosa. 3ª ed. Porto alegre: ArtMed, 2000.